Weekend reads #56
O mundo do amanhã e glamour, a IA que a humanidade merece, como o aprendizado prático funciona na prática e o que torna a Ramp uma fintech excepcional.
#1 - The world of tomorrow - Works in Progress
O progresso parece ter caído em descrédito com o mundo. As visões de carros voadores, cidades com arranha céus modernos apontando acima de um verde preservado enquanto famílias felizes aproveitam o dia não existem mais. Mesmo os mais otimistas voltam para essas visões de futuro que dominaram o período pós segunda guerra como base para o que deveria ser a estética de progresso atual. É uma nostalgia por um passado onde se tinha uma visão de futuro (já falamos aqui sobre The Nostalgia Cycle Loop). Essa visão geralmente é bastante uniforme. Temos cidades claras, limpas, e organizadas e um ar de utopia daquela visão. Não há nada de errado nisso, uma visão de futuro deve ser capaz de despertar o interesse e o desejo das pessoas para ser perseguida. Mas a uniformidade e o glamour em excesso criaram a visão de um mundo perfeito ao invés de um mundo melhor; quando o futuro chegou, ele era longe de perfeito. O extraordinário é rapidamente assimilado e se torna ordinário, até mesmo falho. Ao contrário do prometido o progresso, e a realidade, são complexos, cheios de falhar e problemas. Esse choque entre visões prometidas ou almejadas e a confusão da realidade criou uma frustração geral com a visão e com quem a propagava. Vimos algo semelhante acontecer com a internet e suas adjacências. Um dos problemas, a uniformidade, era decorrente dos ideais modernistas que dominaram a cultura na época, carregados de conceitos que buscavam a ordem, com cidades massivamente reformuladas e planejadas. Havia um entendimento que de apenas uma centralização em torno de uma visão única implementada de maneira top down poderia resolver o caos da realidade através da força bruta do concreto. O sonho era de um destino perfeito, um ponto final do progresso em seu ápice. Na realidade o progresso ocorre de maneira aberta em processos descentralizados de tentativa, erro e aprendizado. Um cientista em um laboratório de uma universidade, um pesquisador de uma big tech ou uma pessoa comum com uma grande ideia que surgiu a partir de uma insatisfação, não há ordem para as fontes de inovação e progresso. As vezes só vamos identificar os problemas do novo com o passar do tempo. Isso não quer dizer que devemos ficar estáticos e abrir mão de um futuro melhor por que ele poderá estar acompanhado de problemas. Essa foi a regra da história humana, e mesmo assim vivemos em uma era onde menos pessoas sofrem todos os dias com os problemas que assolavam a sociedade há 50 anos atras. É a permanente insatisfação com o estado atual das coisas que faz a humanidade avançar, desde o seu inicio. Não podemos deixar a insatisfação com o presente se tornar uma força pela estagnação, ou pior, pelo retorno ao passado. Temos problemas demais para resolver que não irão embora se trouxermos os problemas do passado de volta. Não podemos abandonar vacinas por causa de problemas com o sistema de saúde e farmacêuticas, energia solar e nuclear por desconfiança ou por acharmos as implementações feias etc. Também não podemos fazer promessas vazias de querer mudança e progresso desde que não sejamos afetados por ele ou que ele seja invisível. Não da pra mudar para melhor deixando tudo igual. E pensar no progresso e no futuro precisa contemplar diversas visões de futuro. Para dar certo não podemos cometer o erro de achar uma única visão irá atender aos anseios de todos. O futuro será uma mistura de diversas visões, onde os pontos fortes de cada uma formarão uma realidade melhor, por mais que ainda sim imperfeita. Mas o objetivo precisa ser de um futuro melhor para todos, e não só alguns. Só uma agenda de abundância, onde todos tenham o necessário, será viável.
How exactly today’s longings might manifest themselves, whether in glamorous imagery or real-life social evolution, is hard to predict. But one thing is clear: For progress to be appealing, it must offer room for diverse pursuits and identities, permitting communities with different commitments and values to enjoy a landscape of pluralism without devolving into mutually hostile tribes. The ideal of the one best way passed long ago. It was glamorous in its day but glamour is an illusion.
#2 - The Religion of Ramp - Every
Lá nos longínquos anos de 2021, um passado distante, uma das categorias mais hypadas dentro do mundo de startups era o de cartões corporativos e gestão de despesas (pessoalmente, conhecendo a penetração dessas soluções em empresas e o atual nível de serviço prestado pelos bancos, o hype não só é justificado como provavelmente é menor do que deveria ser). Após a crise de 2022/23 no mundo de VCs e startups essa categoria passou por dificuldades, com várias empresas mudando foco ou estrutura de produtos. Mas uma em particular continuou crescendo e manteve sua reputação de líder e benchmark, a Ramp. A história da empresa e sua tese mostram a importância do alinhamento do produto com a missão da empresa e o que querem seus clientes. Enquanto muitas dessas empresas focaram em agradar o usuário final dos cartões corporativos com cashback e pontos, a Ramp sempre teve muito clara que sua missão não era incentivar seus usuários a gastar mais. O que seu clientes de verdade, os departamentos financeiros, queriam, era que a empresa economizasse tempo e dinheiro. Eficiência é o nome do jogo de qualquer CFO que se preze. A Ramp entendeu que se sua missão era essa, ela deveria pratica-la também. Eficiência interna é também entrega de mais eficiência para seus clientes. Esse potente alinhamento não só traz benefícios para a relação com o cliente, mas atraí colaboradores que acreditam na missão e em trabalhar por algo que é claro e positivo para seus clientes. Tudo, desde a cultura à remuneração, produtos e estratégia estão alinhados à missão. Além de ter captado valores enormes a Ramp ainda é uma das empresas que mais cresceu em clientes e receita do passado recente, atendendo de empresas gigantes como Stripe e Shopify até pequenos negócios. Ela conseguiu ter uma estratégia simultânea de verticalizar e horizontalizar, atendendo mais tipos de clientes com mais produtos. Uma empresa alinhada e com uma visão clara também pode se dar ao luxo de não atender demandas de clientes que poderiam ser boas no curto prazo, mas prejudiciais no longo prazo. Integrações da solução de cartões corporativos com ferramentas externas de gestão de despesas faria total sentido para quem crescer o número de clientes, mas abrir mão desse processo e dos dados significaria nunca atingir a posição central dentro do cliente e seria contrária à missão de entrega de eficiência. Uma visão com estratégia e poder de execução, da pra pedir mais?
Ultimately, Ramp's success suggests that maybe—just maybe—the path to startup glory doesn't have to be paved with the tears of burnt-out employees and disgruntled customers. Maybe you can get there by simply being good at what you do, and not being a jerk about it.
In a world where "disruptive" has become a buzzword devoid of all meaning, that might be the most disruptive idea of all.
#3 - The AI We Deserve - Boston Review
Tanto críticos quanto promotores da inteligência artificial focam seus argumentos na capacidade efetiva da IA de executar tarefas em nível igual ou superior ao ser humano. Essa argumentação molda a visão sobre o futuro e os impactos da IA a projeções sobre empregos, produtividade e custos. Pouco se fala sobre todo o resto que compõe nossas vidas, sociedade e mundo. Isso não é a toa. Muitos de nós já conhecem a história "tech" da IA. Como surgiram os computadores, as primeiras redes neurais, o transformer etc. Mas essa evolução não aconteceu no vácuo. Os princípios seguidos e visões perseguidas nessa evolução decorreram do contexto onde ocorreram. O início da computação e pesquisas sobre inteligência artificial tiveram participação ativa de corporações, do governo e militares, instituições que viam na computação de maneira geral como o caminho para organizar suas burocracias e gerar eficiência. Os primeiros programas e automações foram desenvolvidos de maneira a refletir o comportamento humano no ambiente de trabalho: cumprir uma tarefa determinada através de passos declarados seguindo limites rígidos. Até hoje a automação, em qualquer nível que seja, é vista como uma busca por redução de custos e otimização de recursos através da execução de tarefas em menos tempo e com menos erros e falhas. Essas organizações continuaram sendo os maiores impulsionadores da computação e inteligência artificial. Muito do antagonismo que as pessoas e outras organizações (academia, indústrias criativas etc.) sentem em relação a tecnologia é decorrente do seu constante uso para geração de eficiência. A inteligência humana não é resumida a fazer algo mais rápido ou com menos erros, mas também pela capacidade de criação não guiada. Muitas das inovações tecnológicas, cientificas e artísticas criadas pela humanidade surgiram do tédio, da curiosidade despretensiosa e da criatividade sem direcionamento. As visões dos promotores de IA, hoje majoritariamente corporações, é no melhor dos casos uma promessa de que ao se eliminar o ser humano das atividades burocráticas. As consequências disso ficam em aberto. A tecnologia deve ser um caminho para que a humanidade tenha tudo o que precisa em abundância. Isso necessariamente deve incluir espaço para a criatividade e descoberta. Um mundo sem abundância é um mundo de escassez, e a mentalidade de escassez leva a decisões ruins, jogos de soma zero e a conflitos. Hoje a visão do futuro da inteligência artificial promovida pelas corporações, no fundo, é indiferente a se o resultado é abundância para todos ou apenas para alguns. O argumento de que já tivemos transições tecnológicas anteriores e as pessoas se adaptaram não é suficiente, ele minimiza o sofrimento do curto e médio prazo de um grande número de pessoas. Não precisamos resolver o futuro hoje ou restringir o progresso, mas a visão deve necessariamente ser a de um mundo melhor para todos.
For all the ways tools like ChatGPT contribute to ecological reason, then, they also undermine it at a deeper level—primarily by framing our activities around the identity of isolated, possibly alienated, postmodern consumers. When we use these tools to solve problems, we’re not like Storm’s carefree flâneur, open to anything; we’re more like entrepreneurs seeking arbitrage opportunities within a predefined, profit-oriented grid. While eolithic bricolage can happen under these conditions, the whole setup constrains the full potential and play of ecological reason.
#4 - What Learning by Doing Looks Like - Construction Physics
A técnica de experimentação é conhecida no mundo de inovação e startups como uma forma de acelerar o processo de validação da ideia. Só teorizar ou desenvolver algo não é garantia de que ele funcione ou se quer seja aplicável ao mundo real. O conceito de aprendizado prático não se limita somente à lógica de MVPs de software que estamos mais acostumados, mas ao processo de inovação tecnológica de maneira mais ampla. Ele vai além de validar se à demanda ou Product Market Fit em um novo produto. A ideia de testar teorias no mundo real é uma das principais forças que leva ao progresso em uma determinada tecnologia, e esse efeito vem de diversos feedback loops envolvidos na utilização prática daquela inovação. Primeiro, existe a simples necessidade de sua aplicação e uso serem aprendidos por quem a utilizará, uma curva de aprendizado propriamente dita do usuário. Em um primeiro contato a nova tecnologia provavelmente seria utilizada como um substituto idêntico à tecnologia anterior. O mais provável, no entanto, é que hajam diferenças relevantes e sutis no modo de se aplicar a nova tecnologia. O "plug and play" pode trazer resultados decepcionantes que inviabilizem aquela inovação. Manter o canal de comunicação entre o desenvolvedor da nova tecnologia e quem aplica é vital para que os novos parâmetros de utilização sejam respeitados e utilizados. Mais que isso, esse canal, que idealmente é livre e de duas mãos, permite que quem desenvolve observe também a aplicação e todo o seu contexto e variáveis e capte as diferenças entre o uso prático e os output de modelos ou testes em laboratórios. Por exemplo, o desenvolvimento de brocas diamantadas de perfuração de solo foi um processo de mais de 50 anos de aprendizado prático gerando inovações e melhorias na tecnologia. Pesquisas de campo possibilitaram que os pesquisadores envolvidos pudessem observar o comportamento do seus projetos no mundo real. Eles puderam observar efeitos decorrentes de diferenças na composição do solo, de parâmetros de utilização como velocidade, força aplicada e do conjunto mecânico que move a broca. Esse processo de observação, feedback, e estudos trouxe melhorias no desenho das brocas, no processo de diamantação, em novos parâmetros de utilização etc.. Essas melhorias fizeram diversas métricas de perfuração evoluírem de maneira exponencial, como tempo para perfuração, custo por metro perfurado e trocas de brocas necessárias. Essa evolução exponencial possibilitou que poços cada vez mais profundos fossem viáveis, além de ter sido um dos catalizadores da revolução do fracking. Outras variáveis importam para a evolução de uma tecnologia. Ganhos de escala permitem que sua aplicação seja viabilizada em mais casos, aumentando a demanda e novos ganhos de escala. Pesquisas acadêmicas e aplicadas criam as inovações que serão testadas e suas evoluções. Mas o aprendizado prático traz a luz questões simples e também não óbvias sobre a sua aplicação no mundo real.
More generally, when a technology is first being developed, its behavior and performance won’t be understood particularly well. There won’t be an obvious “theory” of the technology or any sort of body of knowledge surrounding it — how manipulating various aspects of it changes its performance, how different parameters relate to each other, what governs the ultimate ceiling on it, and so on. As more experience is accumulated with a technology, beyond simply learning what works and what doesn’t, practitioners will gradually develop more sophisticated models of how it works, and use those models to push performance even further.
Bom final de semana!
PS: Essa semana só 4 recomendações? Perdão, foi o que deu pra fazer.