Weekend reads #58
Um deep dive na Bloomberg e sua dominância no mercado financeiro, nosso padrão de geração e consumo de energia, ninguém mais compra livros, o ataque do Spotify aos músicos e mais.
#1 - Bloomberg’s 7 Powers & Why the Terminal dominates financial markets - The Terminalist
A Bloomberg mantém sua hegemonia há 40 anos. Mais conhecida pela maioria das pessoas como um veículo de mídia a partir de seu site e redes sociais a empresa é, na verdade, o coração do mercado financeiro global. A partir do Terminal, a Bloomberg é para o mercado financeiro o equivalente ao que a Vivo, a Apple, o Google, o Facebook a Globo News e a CNN em uma só oferta são para o resto do Brasil. Ela oferece a conexão, a interface, a orquestração, as funcionalidades, a base de dados, a rede social e notícias e informações em tempo real. Ao invés de horizontalizar, distribuir uma funcionalidade para o maior número de clientes, ela é vertical, oferecendo todas as funcionalidades para um grupo específico de profissionais altamente remunerados e geradores de receita. A Bloomberg é a internet antes da internet, oferecendo acesso a dados em tempo real de fora da intranet corporativa desde a primeira instalação de um Terminal em 1982. Ela foi uma das pioneiras no modelo de negócio B2B SaaS, vendo na subscrição uma maneira de gerar estabilidade de fluxo de caixa. A empresa também aplicou desde cedo o conceito que se tornaria o pilar da cloud, acessando, processando e distribuindo informações a partir de uma infraestrutura tecnológica centralizada. Mas como ela consegue ser a principal solução do mercado até hoje? Vamos ver 7 fatores principais aqui, baseados no framework de 7 Powers de Hamilton Hemer.
Recursos exclusivos: a Bloomberg concentra exclusividade em diferentes tipos de dados que são vitais para o mercado financeiro. Por exemplo, ela domina o mercado de bonds (renda fixa), que é muito maior que o mercado de ações. O Terminal surgiu no momento em que esse mercado experimentava um crescimento explosivo, e a Bloomberg reagiu trazendo funcionalidades de dados e análise para esse nicho altamente complexo. Logo ela se tornou a principal fonte de dados de preço e liquidez para esse mercado que concentra a maior parte de suas operações no modelo Over the Counter - OTC (balcão), quando duas contrapartes negociam diretamente sem um intermediário. Há pouquíssimos outros lugares onde um trader poderia negociar um ativo desse tipo, dado o efeito de rede fortíssimo que a Bloomberg criou. A agência de notícias da Bloomberg também aumenta o poder do seu serviço de dados. O dado bruto é necessário, mas entender o que está ocorrendo no mercado e ter acesso prioritário a informações que movem o mercado é um forte gerador de alpha.
Poder de processo: Mesmo após 40 anos a Bloomberg mantém provavelmente a melhor infraestrutura de rede em tempo real do mundo, tendo menos tempo fora do ar do que a AWS. O impressionante é que ela criou e mantém essa estrutura de ponta antes do surgimento da nuvem e tecnologias modernas. Toda essa rede precisa suportar também a imensa capacidade da Bloomberg de coletar e distribuir dados, onde ela também usa de seu poder de processo como vantagem competitiva. Sejam eles dados proprietários ou licenciados, geralmente com exclusividade, a Bloomberg é o centralizador utilizado por bancos, gestoras e até reguladores. A Bloomberg também criou um framework de nomenclatura de ativos que é utilizado no mundo todo, sendo utilizado para mais de 700 milhões de ativos diferentes. Aqui, a empresa optou por tornar o modelo aberto e de uso livre, em uma estratégia de comoditização de uma complementariedade que desencoraja competidores e padroniza o mercado entorno do standard definido pela Bloomberg.
Efeitos de rede: Já vimos antes sobre o poder de gerar, centralizar e distribuir dados proprietários sobre os diferentes mercados. Mas a Bloomberg também foi pioneira ao introduzir em 2002 o seu Chat. O que começou como uma ferramenta de comunicação logo se tornou uma das principais ferramentas de execução de trades do mundo, especialmente no mercado de bonds. Ao alavancar suas demais funcionalidades integradas no chat ela criou amarras e referências que facilitaram as negociações e também os fluxos operacionais de middle e backoffice, além de geração de controles para Compliance. O Chat se tornou inclusive um marcador de status. Seu uso, e as conexões que são feitas por ali, viram histórias e são colecionadas.
Economias de escala: A Bloomberg tem as vantagens tradicionais da empresa com maior escala no segmento, com mais de 350 mil Terminais instalados. A partir dessa base ela tem poder de negociar seus acordos de distribuição de dados da maneira mais vantajosa possível. Suas mais de 15 mil funções de análise podem parecer um exagero, mas são funções que seus usuários não vão buscar em seus concorrentes, e muito provavelmente foram solicitadas pelos seus clientes. Assim como alguns apps viram funcionalidades da Apple, da mesma forma serviços que tentam concorrer com a Bloomberg viram funções dentro do Terminal.
Custos de mudança: Os custos de mudança no mundo B2B geralmente já são mais altos, mas quando falamos de uma solução que é crítica como a Bloomberg a barra é extremamente alta. Os usuários provavelmente usam a ferramenta desde que começaram a trabalhar. Além disso ela se torna o sistema operacional de muitas empresas, estando integrada com todo o resto do stack tecnológico da empresa. Trocar de provedor significa refazer tudo.
Marca: A Bloomberg tem a força de marca resumida por "ninguém nunca foi demitido por contratar a Bloomberg". Ela não falha, tem qualidade e velocidade, características muito valorizadas no mercado financeiro. Ela também é um símbolo de status: qualquer trader que se leva a sério precisa ter um Terminal. Associado ao custo de mudança, qualquer equipe de tecnologia interna tem que ter muita coragem para chegar na mesa de um trader e desinstalar seu Terminal.
Intangíveis: Aqui, além da clássica obsessão pelo cliente, intensificado pelo modelo vertical e focado no produto e tudo que o cerca, a Bloomberg tem a vantagem de ter mantido seu capital fechado. Ela continuou com seu foco no cliente e em crescer um negócio saudável e que gerasse valor ao invés de buscar capital para crescer mais e brigar por preço.
Tudo isso resume um império que parece não ter concorrentes a altura. Todo o produto e a empresa são desenhados para atender o cliente, que é especifico, da melhor maneira possível. No mundo B2B qualidade do produto não é tudo, e a Bloomberg tem um time sênior e bem incentivado de vendas, além de uma estrutura de suporte dedicada e humana 24/7. O cliente sabe o valor que tem, e por isso paga o que paga. Tom Secunda, co-fundador, resume bem a empresa ao dizer que ela nunca esteve numa batalha por preço, porque sempre esteve em uma batalha por valor.
For 30 straight years they focused all their attention on making the Terminal more valuable to more and more users every year. Every decision in the company revolved around increasing the value delivered through the Terminal - from launching News to their data acquisitions to their hardware and network investments. Their peers experimented with various products, services, and solutions, but none were able to deliver a better terminal than Bloomberg. Forty years on and billions of dollars in R&D later, they have yet to reach parity.
#2 - Energy Cheat Sheet - Construction Physics
A história humana é marcada por revoluções na obtenção e uso de energia. No passado distante basicamente dependíamos da força animal ou da água ou vento através de pequenos moinhos ou barcos a vela. Queimávamos madeira para aquecer casas e alimentos. Isso limitava a intensidade energética da humanidade e o que poderíamos fazer. Energia, afinal, é basicamente a capacidade de fazer coisas. Nós consumimos alimentos que contém energia para poder fazer desde as funções básicas para nossa sobrevivência até escrever um e-mail ou subir uma montanha. Com os combustíveis fósseis, começando com o carvão, encontramos uma fonte de energia em uma escala antes inimaginável. Criamos então o mecanismo de conversão de energia mais usado no mundo, até hoje: esquentar água em vapor e faze-lo girar um gerador. A descoberta do petróleo e do gás natural no século XX trouxeram ainda mais capacidade energética. Um simples tanque de gasolina de um carro típico possuí a mesma quantidade de energia que meia tonelada de TNT. Em teoria temos energia de sobra. Mas a energia de combustíveis fósseis tem um processo de conversão altamente dependente de sua queima, um processo muito ineficiente. Um motor de combustão interna de um carro trabalha com uma eficiência de apenas 25%, ou seja, 75% do restante da energia contida na gasolina é perdida, em sua maior parte, via produção e perda de calor. Os métodos mais eficazes de transformação de energia de combustíveis fósseis atingem no máximo 60% de eficiência. Nos EUA 2/3 de toda energia produzida é perdida, dada a alta dependência da sociedade americana na queima de combustíveis fósseis, por meios de transporte e aplicações industriais, mas também aquecimento comercial e residencial. Esse fato está levando muitos ambientalistas e pessoas preocupadas com mudanças climáticas a defender a bandeira de eletrificação total, seja de residências, comércios, indústrias ou transporte. Mesmo que as fontes de geração ainda sejam movidas a combustíveis fósseis essas estruturas dedicadas e centralizadas são mais eficientes do que as aplicações distribuídas, o que geraria uma economia enorme de energia desperdiçada. A facilidade no armazenamento e transporte de combustíveis fósseis significa que uma mudança de base energética demandaria uma reconstrução da infraestrutura energética. Fontes renováveis são intermitentes devido a sua dependência em fatores naturais, então estruturas de armazenamento via baterias precisam ser criadas em escala suficiente para atender a demanda em horários onde a geração não ocorre. Novas estruturas de transmissão e distribuição precisam comportar a carga adicional de uma maior centralização na produção de energia e no uso de eletricidade. A abundância energética é um dos principais fatores no progresso humano. A busca pela redução de emissões de gases do efeito estufa não pode depender de uma redução no consumo de energia, mas sim de uma nova cadeia de geração que é mais eficiente, estável e limpa. Construi-la demandará energia.
The technology we’ll replace it with will likely not share those particular capabilities: electricity can be converted to different forms of energy with fewer losses, but it's not as easy to store and move around as hydrocarbons are. Decarbonizing doesn’t just mean building lots of solar power and wind — it probably means completely rethinking how our energy infrastructure works.
#3 - No one buys books - Elle Griffin
O impacto da internet no mundo dos livros não é um daqueles fatos surpreendentes que descobrimos aleatoriamente, mas uma obviedade. Talvez não tão óbvio seja o funcionamento da indústria de editores e o processo de publicação de livros, especialmente sob a ótica financeira e de negócio. Em resumo, é um negócio brutalmente difícil e imprevisível. As editoras contratam um livro a partir da antecipação de um valor ao autor, baseado na expectativa de vendas no primeiro ano. Poucas pessoas fariam a comparação do mercado de publicação com o de Venture Capital, mas aqui também as casas apostam que um percentual reduzido de todos os seus investimentos irá trazer o retorno necessário para manter o negócio em pé. É uma pequena minoria, os unicórnios da indústria literária, que nas palavras do CEO global da Penguin permitem que as editoras custeiem os sonhos e histórias de milhares de outros autores. A maioria dos livros muitas vezes vai vender tão pouco que o autor não vai receber nos primeiros anos mais do que recebeu na antecipação. Por mais que saibamos que poucas pessoas leem livros, é surpreendente saber que, pelo menos nos EUA, 96% dos livros publicados não venderam mais de 1000 cópias. A CEO da Penguin US estima que apenas 50 autores foram capazes de vender mais de 500 mil cópias em um dado ano no período de 2020 a 2024. A Penguin classifica os livros top vendedores como aqueles que vendem mais de 75 mil cópias ou mais no período de um ano após seu lançamento. Embora as livrarias independentes parecem estar saindo do fundo do poço as editoras ainda parece que não chegaram ao pior momento do choque pós internet (e Amazon). Os dados apresentados são do julgamento da compra da Simon & Schuster pela Penguin Random House. A compra foi negada, e a Penguin realizou demissões e cortes, enquanto a Simon foi vendida para um fundo de Private Equity (o que geralmente não é um bom sinal). Mas talvez o resultado final desse mercado seja parecido com o das livrarias. Amazon em uma ponta, como o grande editor, e as editoras independentes na outra, atraindo leitores e autores de nichos específicos. O meio, das grandes (ou médias, comparadas com a Amazon) editoras, ficará cada vez mais vazio.
I think I can sum up what I’ve learned like this: The Big Five publishing houses spend most of their money on book advances for big celebrities like Britney Spears and franchise authors like James Patterson and this is the bulk of their business. They also sell a lot of Bibles, repeat best sellers like Lord of the Rings, and children’s books like The Very Hungry Caterpillar. These two market categories (celebrity books and repeat bestsellers from the backlist) make up the entirety of the publishing industry and even fund their vanity project: publishing all the rest of the books we think about when we think about book publishing (which make no money at all and typically sell less than 1,000 copies).
#4 - The Ghosts in the Machine - Harper’s
Vivemos em uma era onde o conteúdo que consumimos é selecionado por algoritmos que buscam otimizar o tempo gasto nas plataformas de agregação, movimento que tomou proporções mais intensas a partir do aumento da pressão competitiva e da necessidade de monetização. Esse movimento é parte da deterioração da internet, tendência chamada de Enshittification (enmerdamento?) no artigo The Enshittification of Tiktok. Nele, há uma descrição muito relevante sobre o ciclo de vida das plataformas da internet:
Here is how platforms die: First, they are good to their users; then they abuse their users to make things better for their business customers; finally, they abuse those business customers to claw back all the value for themselves. Then, they die.
Há muitas maneiras para essa destruição de valor ocorrer. Mas a visão do usuário como um átomo informacional e a constante otimização e abuso da psicologia humana criaram um feedback loop destrutivo de sinais que levam a prejuízo para todas as partes envolvidas. Como disse Ben Thompson em sua newsletter onde ele assume uma posição de arrependimento em relação a destruição na distribuição que a internet causou e a iminente destruição na produção de conteúdo que a IA ira causar:
"I suspect we humans do better with constraints; the Internet stripped away the constraint of physical distribution, and now AI is removing the constraint of needing to actually produce content. That this is spoiling the Internet is perhaps the best hope for finding our way back to what is real."
Quando essa é a visão de um dos maiores analistas de tecnologia e da internet do mundo, algo está errado. Google, Meta, Twitter, TikTok e até a Amazon, todos estão passando por esse ciclo de destruição de valor.
O Spotify não fica de fora desse movimento. A partir de 2017 a empresa passou a contratar empresas para produzir músicas para suas playlists curadas. "Contratar" pode ser forte, mas ela desenvolveu contratos de distribuição com o pagamento de royalties abaixo do mercado de forma que suas margens na reprodução dessas músicas são maiores. As músicas geralmente são demandas a partir de uma playlist voltada para atividades, como foco, dormir, academia etc., e focadas nos gêneros de jazz, lo fi e musica ambiente. As músicas produzidas sob medida são então inseridas pela equipe de editores do Spotify em suas playlists em detrimento de artistas reais. Essas playlists acabam por gerar milhões de reproduções, tendo um impacto relevante na lucratividade da operação do Spotify. A empresa que antes servia seus usuários e prometia trazer acesso ao mercado a pequenos artistas agora opera apenas em serviço próprio. O CEO já se posicionou a favor da produção de conteúdo de IA, o que deve só aumentar a canibalização dos artistas pelo Spotify e seus parceiros. É insano ver a dissonância cognitiva com a qual os grandes players da indústria tecnológica tratam a sociedade em geral. Diretores que proíbem que seus filhos utilizem as redes sociais que comandam são apenas um exemplo do cinismo com o qual essas empresas e seus investidores enxergam o mundo.
Unsurprisingly, one of the first venture-capital firms to invest in Spotify, Creandum, also invested early in Epidemic. In 2021, Epidemic raised 450 million from Blackstone Growth and EQT Growth, increasing the company’s valuation to 1.4 billion. It is striking, even now, that these venture capitalists saw so much potential for profit in background music. “This is, at the end of the day, a data business,” the global head of Blackstone Growth said at the time.
#5 - What happens when the internet disappears? - The Verge
Uma boa parte da história foi perdida para sempre. De perdas do dia a dia a desastres como a Biblioteca de Alexandria e centenas de conflitos e guerras a maior parte da informação já produzida não está mais entre nós. Por mais que a frase "uma vez na internet, está lá para sempre" seja muito usada, ela é falsa. Estima-se que mais de 30% das páginas da web disponíveis em 2013 não sejam mais possíveis de serem acessadas hoje. Sites são excluídos, redes sociais e outros serviços encerrados e deletados, mídias corrompidas etc. Com uma parte cada vez maior da internet ocorrendo dentro da plataformas privadas o que persiste e o que desaparece é cada vez mais uma decisão tomada por poucas pessoas, com o simples interesse econômico em mente. Ao mesmo tempo que produzimos mais informações ou "conteúdo" do que nunca o ritmo de perda do que já foi produzido também aumenta. Com a potencial explosão de conteúdo gerado por IA, como fica a questão de preservação da internet humana? Vamos abrir mais espaço para conteúdo gerado em detrimento ao conteúdo criado nos nossos backups? O conteúdo criado por humanos é sequer a maior parte das informações disponíveis na internet já hoje? As plataformas cada vez mais cercam os criadores de conteúdo em cederem seus direitos de propriedade intelectual para treinarem modelos que eventualmente poderão substitui-los, uma lógica quase sádica. Agora, além da decisão de preservação do conteúdo não ser mais do criador, ele pode ser substituído e regerado por um modelo reproduzindo literalmente um pedaço de seus dados de treinamento. A manutenção de conteúdo público é ainda de difícil acesso ao usuário comum, dependente de serviços de hospedagem, armazenamento e publicação. A guarda privada é possível, mas a indústria de armazenamento pessoal vem sofrendo com baixa demanda por anos. Os que se dão ao trabalho de armazenar seus dados, fotos, textos etc. em mídias físicas muitas vezes se deparam com os problemas do passado: deterioração física das mídias, danos por desastres como inundações ou incêndios e até roubo. O ponto é que hoje as coisas estão sumindo, e poucas pessoas decidem o que permanece.
We can’t hope to capture every single fragment of the internet, from the first lagging days of DARPA to the videos attached to each TikTok sound, to preserve the fire hose of content we are all wallowing in. But we can have a conversation about which things we value and believe should be kept, which things should be allowed to disappear into the waves, and who among us stands to be remembered, echoing, like Sagan’s laughter, into the future. How comfortable are we with the disappearance of entire swaths of careers and artistic pursuits? And who is making these decisions — private equity or journalists, AI or archivists, billionaires or workers? The answers to these questions, and the way we define ourselves today, will shape our culture of the future.
Bom feriado!