Weekend reads #60
Como uma organização criminosa nativa digital roubou US$250 milhões em cripto, mentes ultra processadas e o seu custo social, a Meta quer produzir e distribuir suas amizades e mais.
#1 - They Stole a Quarter-Billion in Crypto and Got Caught Within a Month - The New York Times
Quase metade dos crimes digitais que ocorrem nos EUA hoje e são reportados para as autoridades envolvem ativos virtuais. Apesar da suposta segurança da tecnologia de blockchain o ponto de acesso ainda é humano e falho. Um evento recente chamou a atenção da comunidade de cybersecurity, envolvendo o roubou de mais de US$240 milhões em bitcoins. A natureza pública da blockchain permitiu que especialistas em segurança acompanhassem o roubo praticamente em tempo real enquanto os criminosos transitavam os recursos e tentavam despistar sua origem através de fracionamento do montante, operações frias e camadas e camadas de movimentações entre diferentes wallets e exchanges. A atipicidade do valor disparou alertas automatizados para esses profissionais. Esses especialistas privados trabalham muitas vezes no anonimato como forma de proteção e compartilham seus achados com as forças de segurança. Eles podem estar investigando desde adolescentes até terroristas ou agentes governamentais, e os que tem sua identidade publicada muitas vezes vivem sob ameaças constantes, vazamento de dados e em alguns casos extremos incidentes que afetam suas vidas reais. O mundo de cybercrimes sempre encontrou esconderijos onde pode florescer na internet, de fóruns a chats privados. Ferramentas que garantem o anonimato são essenciais. Hoje, Telegram, Signal e Discord são locais onde eles se reúnem para conversar amenidades, planejar ataques e muitas vezes se vangloriar de seus feitos. É nessas plataformas que os investigadores buscam identificar deslizes e informações que possam ajuda-los a identificar os criminosos. Uma rede de chats em grupo chamada de Com, Comm ou Community é hoje uma das associações mais relacionadas a esses tipos de ataques, e nesse caso em específico não foi diferente. O que antes era uma convergência de hackers e criminosos que atuavam sozinhos hoje se assemelha cada vez mais a uma organização criminosa. Grupos são formados para planejar e executar os ataques. Nesse caso recente os pais de um dos envolvidos no roubo foram sequestrados por pessoas contratadas por membros da Com, provavelmente rivais querendo obter uma parte do valor roubado. Os jovens, todos com menos de 28 anos, acabaram presos. Após mudanças rápidas de padrão de vida e ostentação eles se descuidaram e chamaram a atenção de forças policiais e inimigos. Essa mesma ostentação é o ponto que atraí cada vez mais pessoas para essas comunidades, que hoje contam com milhares de membros.
The twin episodes — the crypto heist and the kidnapping — suggest that the complete lawlessness of Com members’ online lives allowed them to imagine that they could get away with similar exploits in the real world. “I don’t think they really learn,” ZachXBT says. “I’ve seen a lot of them, after they either get either arrested, have assets seized, et cetera — I see a lot of them go back to what they were doing before.”
#2 - Ultra-Processed Minds: The End of Deep Reading and What It Costs Us - The Learning Dispatch
A realidade é que hoje lemos mais palavras do que nunca, ao mesmo tempo em que lemos menos livros. A leitura se transformou. De uma atividade que demandava um tempo específico de atenção dedicada e concentração, algo profundo, para algo raso, voltado para velocidade, leitura superficial e desatenta. Os objetos de leitura não são mais recomendados pelo seu valor cultural ou impacto, mas pela sua capacidade de influenciar os algoritmos, e não há nada pior para um algoritmo do que algo que demanda tempo e reduz a quantidade de cliques e visualizações de propagandas. Mudamos a lógica de leitura do entendimento e compreensão para o consumo. O fato de que a leitura está mudando impacta diretamente na construção dos objetos de leitura. Ao invés de estilo pessoal e o desenvolvimento de ideias complexas as características valorizadas são clareza, simplicidade e impessoalidade. Esses objetivos são levados ao extremo pela utilização de LLMs na edição e produção de textos. Como mecanismos probabilísticos eles tendem a seguir padrões estabelecidos pelo volume maior de textos eles reproduzem uma massa amorfa e sem vida de escrita, que cada vez mais domina os feeds. Aqui já falamos sobre o impacto na capacidade de escrever, um importante mecanismo para estruturar e organizar pensamentos e ideias. Mas como aprendemos na escola, ler e escrever andam de mãos dadas. Há um feedback loop entre eles, e no aprendizado. Ler cria mecanismos de pensamento e conexão de ideias, alimenta a mente com perspectivas e modelos de mundo diferentes, fatos desconhecidos e emoções. Aprendemos a lidar com ambiguidade, questões não respondidas e os efeitos da nossa imaginação sobre o não dito. Leituras superficiais e rasas são como alimentos ruins que nos deixam saciados, mas que não nos nutrem. Ler é o melhor e talvez único jeito de aprender, e estamos trocando o aprendizado por entretenimento, no melhor dos casos, e por desaprendizado, no pior. É importante entender que livros também são afetados pela dinâmica comercial acelerada criada pelos algoritmos. A lista de best sellers da Amazon é simplesmente um horror. Buscar leituras profundas, que exigem atenção e foco, releituras e que algumas vezes até geram desconforto é essencial para nós. A leitura não é uma habilidade natural, mas algo que desenvolvemos e evoluímos e que possibilitou também o desenvolvimento e evolução da humanidade. Perder isso é perder muito mais do que livros, mas nossa capacidade de conhecer, processar e mudar nossa história.
To lose this habit at a societal scale is not a small thing. It is to unmoor ourselves from the slow, accretive processes that form character, judgment, and self-knowledge. A culture that stops reading deeply does not merely lose its stories, it risks losing the very tools by which it interprets them. Reflection, nuance, ambiguity, these are not incidental by-products of reading. They are its gifts. And as they fade, so too does our capacity to meet the complexity of the world with anything other than reaction.
#4 - building a better teddy bear - Dan Davies
Há um uso interessante de ferramentas como ChatGPT aparecendo conforme mais pessoas estão usando e entendendo suas limitações e capacidades: o de explorar o método socrático. O uso responsável da IA geralmente ocorre da seguinte forma: fazemos um prompt e recebemos a resposta, que verificamos ser aproximadamente correta ou errada, e então iteramos com novos prompts ou evoluindo a ideia a partir do nosso conhecimento próprio. É um pouco como colocar a cabeça no travesseiro para pensar ou explorar um assunto com uma pessoa, embora com uma inteligência limitada e peculiar. Nas nossas vidas dificilmente vamos ter a atenção de pessoas o suficiente para podermos explorar todas essas ideias, e uma inteligência fraca como a dos modelos atuais pode prover um mecanismo eficiente para essa substituição.
We know that the human need for attention is almost insatiable. A lot of social problems have at their root the fact that some children learn that although negative attention isn’t as nice as positive attention, it’s still attention and it’s a lot easier to get. A low-quality substitute for human attention that’s much easier to produce could do a lot of good, although I feel like it might need to be carefully regulated in the way that most other low-quality mass-market products that mess around with your brain chemistry are.
#5 - Bureaucracy Isn’t Measured In Bureaucrats - AstralCodexTen
Das milhares de simplificações toscas feitas sobre o tema governo uma bastante comum é a de implicar no número de burocratas o problema do custo do Estado. Não que isso não possa ser um problema, mas o número por si só é geralmente apenas um sintoma de outras questões. Uma delas é da complexidade legal, por exemplo, da atividade de uma agência reguladora ou determinado serviço público. Por exemplo, uma agência reguladora pode ter 1000 funcionários e conseguir realizar 100 processos de supervisão em um ano. Reduzir o número de funcionários pela metade tem o impacto óbvio de reduzir a capacidade da agência de supervisionar. Ninguém gosta quando uma tempestade deixa seu bairro 5 dias sem energia elétrica. "Ah mas não está adiantando nada" - sempre pode ser pior. O problema, na verdade, está geralmente nos processos e normas que regem o funcionamento do Estado e relacionados, que na maioria das vezes advém de leis passadas pelo corpo legislativo do ente, seja ele governo federal, estadual ou municipal. Essas leis são de difícil mudança, ou por inércia ou por serem temas complexos que envolvem diferentes grupos de interesse. Não só isso, mas os temas podem ser de fato complexos e a aderência aos processos e normas precisa ser completa, sob o risco dos servidores públicos e órgãos governamentais serem acionados judicialmente. Vimos como o esforço de eficiência governamental do governo Trump levou uma moto serra para diversos órgãos do governo, apenas para serem rechaçados por processos judiciais que mostraram que as ações eram ilegais. Não só, mas como no caso da agência de proteção ao consumidor de serviços bancários, que foi fechada, não consegue mais responder a questionamentos de seus regulados, que estão no escuro. Como diz Matt Levine, para melhorar a burocracia você precisa de burocratas.
A ausência deles tornou a atividade dos regulados (os bancos) mais arriscada porque eles não possuem mais o respaldo de um regulador e estão a mercê do sistema judiciário. Essas abordagens de força bruta podem ser um marketing que funciona para quem não entende nada, como geralmente também é a aplicação da lógica do setor privado para o setor público em diversos âmbitos. Mas a burocracia e o peso do estado são questões legais/legislativas que só podem ser resolvidas por esses meios. Como vemos nos EUA e aqui, quando o judiciário busca resolver o problema a solução acaba sendo fraca, ou por não perdurar ou por ser pior do que o cenário anterior. Mecanismos automáticos de expiração ou revisão de leis e normas podem ser interessantes e reduzir a quantidade de normativos inúteis, mas trazem pouco impacto (eles já são inúteis, geralmente sem efeitos práticos). A mudança só vem a partir de quando a revisão é feita em leis que de fato afetam o funcionamento do estado. O grande x da questão é fazer com que o processo legislativo seja mais eficiente e menos suscetível a captura por grandes grupos de interesse que se sobrepõe aos interesses difusos da sociedade.
This really sunk in for me when I read an article about the fall of Afghanistan to the Taliban in 2021. Many Afghans had collaborated with the Americans, eg as translators, in exchange for a promise of US citizenship. As the Taliban advanced, they called in the promise, begging to be allowed to flee to America before they got punished as traitors. The article focused on a heroic effort by certain immigration bureaucrats, who worked around the clock with minimal sleep for the last few weeks before Kabul fell, trying to get the citizenship forms filled in and approved for as many translators as possible. It made an impression on me because nobody was opposed to the translators getting citizenship, and the bureaucrats were themselves the people in charge of approving citizenship applications, so what exactly was forcing them to go to such desperate lengths? If you ponder this question long enough, you become enlightened about the nature of the administrative state.
#6 - Meta Will Make Friends - Matt Levine
Em mais uma edição de Mark Zuckerberg being a creep, em uma entrevista recente ele mencionou a ideia de que o americano médio possuí apenas 3 amigos próximos, mas que a demanda seria de 15 amigos, e que diferentes perfis de IAs poderiam suprir essa demanda reprimida. O posicionamento, nos primórdios do Facebook, era o de conector de pessoas, superando distâncias geográficas e mantendo o contato entre pessoas distantes. A empresa foi avançando sobre o modelo de redes sociais, comprando o Instagram e Whatsapp. Ela tentou criar um mundo virtual em 3D onde as pessoas poderiam se encontrar ao criar seu metaverso. Todo marketplace de dois lados busca sempre conectar um comprador e um vendedor. Muitas vezes, ao se tornar muito relevante, o intermediário acaba avançando sobre o papel do vendedor. Ele tem montanhas de dados e perfis dos seus clientes que o auxiliam no mapeamento da demanda em tempo real. Fábricas terceirizadas tornam essa operação asset light. As redes sociais podem ser consideradas um marketplace, onde existem consumidores e vendedores de um produto, chamado genericamente de conteúdo. Já está claro que cada vez mais as grandes plataformas vão tentar gerar seu próprios conteúdos e distribuidores através da IA. Esse tipo de conexão é mais transacional mesmo. Mas avançar sobre a interação humana é algo mais novo e até certo ponto inesperado. Geralmente essas relações são pessoais e existem também fora das plataformas. Mas para a Meta continuar crescendo como conector, ou como empresa de interações entre pessoas, ela precisa estar em todas as pontas e momentos. A conexão emocional é uma das bases do moat de efeito de rede quando falamos de estar onde seus amigos estão. Se a Meta for bem sucedida em se tornar não só o canal mas também o produtor dos seus amigos, deixar suas plataformas pode se tornar impossível.
When Facebook says “we’re not a monopoly, there’s lots of competition in the connecting-with-people space, some of our most fearsome competitors include Having Dinner With Friends and Reading Stories to Your Children,” you could interpret that as a threat. Facebook is good at disposing of competitors! Maybe it will copy enough features from Reading Stories to Your Children so that people will abandon it for a Facebook product, Instagram Reads Stories to Your Children or whatever. Maybe it will acquire Having Dinner With Friends so it can merge it into the Facebook experience. These companies are where they are because they dominate their markets; if they define their markets as the world, then the world had better watch out.
That was five years ago.
Bom final de semana!