Weekend reads #64
O subsídio aos motoristas e a tragédia dos comuns, construindo pequenos (e relevantes) negócios, o total monetário de juros pagos não é um fator relevante, uma economia dominada por dívida e mais.
#1 - The prophet of parking - Works in Progress
Uma frase famosa de economista é o tal do "não existe almoço grátis". Geralmente ela é mal interpretada por quem a pronuncia e por quem a critica. Uma das teorias econômicas que é base para a frase é a tragédia dos comuns, um cenário onde um bem que não é precificado leva ao seu superconsumo e consequente escassez. Esse cenário é muito comum com recursos naturais, por exemplo. Em teoria a água de um rio é gratuita, e isso pode levar a sua exploração em excesso o que coloca a própria existência do rio em risco. Mas esse cenário também pode ocorrer em bens e serviços da economia. Um caso pouco considerado nessa lógica é a de toda a infraestrutura que construímos voltada para os carros, especialmente nas nossas cidades. Tivemos que reconstruir nossas cidades para mover e estocar veículos particulares. Uma forma particularmente danosa de tragédia dos comuns é a de estacionamento gratuito nas ruas. A sua mera possibilidade gera aumento de tráfego de veículos, trânsito e todos seus efeitos negativos, econômicos e ambientais. Eles prejudicam a demanda por transporte publico de alta capacidade e o custo gerado para as cidades por manutenção nas ruas e calçadas é alto. Como solução para esse problema o mecanismo de parquímetros foi amplamente utilizado, mas sempre com resistência da população e consequente receio de políticos e planejadores. Como alternativa diversas cidades instituíram leis de capacidade mínima de vagas de estacionamento para residências e comércios. Essas obrigações de construção de garagens aumenta os custos de se construir residências e prédios comerciais, as vezes em até 30%. Muita gente faria essa escolha, pagar mais para ter vagas de garagem, mas a situação na maioria das cidades é que não há uma opção de escolha. Muitas cidades passaram a revisar essas leis, flexibilizando-as ou as eliminando por completo. São Paulo foi uma dessas cidades, que com as versões mais recentes de seu plano diretor avançou no sentido de reduzir essas obrigações, especialmente em em eixos de transporte. Muito desse movimento foi resultado dos estudos do professor Donald Shoup, que faleceu este ano. Ele não só mostrou com dados e prática os benefícios de se despriorizar o automóvel para as cidades e seus habitantes, mas criou um movimento que continua a levar seu trabalho adiante.
Indeed, Shoup worked hard to make his ideas palatable across the political spectrum. Are you a conservative? People should pay for the services they consume. Are you a progressive? All this unnecessary driving can’t be good for the environment. Are you a libertarian? Clearly, the solution to scarcity is prices and markets. Are you a socialist? Let’s stop privatizing the public realm by turning it into a free parking lot. As a result, the typical shoupista gathering is an oasis of peaceful coexistence.
#2 - The Rise of the Selfish Plutocrats - The Atlantic
A crescente desigualdade de renda e patrimônio no mundo todo é um dos maiores problemas para a sociedade. Divisão social, polarização política, violência, redução do crescimento potencial da economia, enfim, infinitos efeitos negativos que a concentração dos benefícios econômicos em poucas mãos causa. A desigualdade econômica parece caminhar em ciclos, mas que parecem se agravar a cada iteração. Grandes períodos de redução de impostos e desregulação financeira que acabam em grandes crises que levam a reajustes na sociedade, um novo equilíbrio onde só se pode avançar com os uma divisão mais justa. Os muito ricos sempre tiveram muito poder político, por mais que eles se posicionem como vítimas da política, e foram responsáveis por boa parte dos erros e atrocidades cometidas na história humana. Mas havia uma certa responsabilização para com a sociedade, onde parte do capital acumulado era utilizado para o benefício público. Obras de arte, grandes monumentos, parques, universidades, escolas, hospitais e museus foram feitos como contribuição para o aproveitamento da sociedade de maneira mais ampla. Claro que não são gestos simplesmente altruístas, mas também uma forma de acumulo de capital social e engrandecimento pessoal. Hoje a classe de bilionários vive apenas de engrandecimento pessoal através da ostentação individual entre si, em um jogo de mostrar quem pode mais. Não só isso, mas há também uma obsessão recente com o escapismo para um lugar onde eles poderão viver suas vidas como quiserem livres das amarras de impostos. Sonhos de deixar o planeta, de construir cidades ou territórios soberanos em alto mar, garantir a eleição de autoritários cuja única pauta econômica que é colocada em prática de fato é a redução de impostos para os mais ricos e de gastos com os mais pobres, tudo isso para o atingimento do sublime: o imposto zero. Os antigos poderosos sonhavam em eternizar seus nomes com maravilhas que seriam apreciadas por séculos e milênios por todos, muito depois que tivessem partido. Os de hoje querem poder partir para onde poderão consumir todas as maravilhas que foram criadas por outros sem ter que se chatear com impostos e problemas que não os dizem respeito.
In 1908, the English writer G. K. Chesterton observed that “the poor man really has a stake in the country. The rich man hasn’t; he can go away to New Guinea in a yacht. The poor have sometimes objected to being governed badly; the rich have always objected to being governed at all.”
#3 - Building Mighty Small Businesses - Investing 101
O sonho grande do empreendedor moderno é o de criar o maior negócio possível, dominando o mundo no processo, se possível. Distante está a época onde unicórnios eram de fato raros, hoje só queremos saber de decacórnios, pelo menos. Esse é um modelo de desenvolvimento que é mais sonhado pelos VCs do que pelos empreendedores, quem constrói geralmente tem uma ideia do que é demandado e dos riscos envolvidos no jogo do tudo ou nada. Para um grande VC um negócio quebrar ao tentar dominar o mundo é uma eventualidade, um pequeno pedaço do portfólio que não performou. Para o empreendedor são anos de estresse, escolhas difíceis e momentos perdidos que não voltam mais, sendo que talvez um negócio duas ou três ordens de grandeza menor fossem realização de vida suficiente. Historicamente o empreendedorismo era composto de pequenos negócios, pessoas criando os meios para seu sustento. O desenvolvimento e sofisticação do mundo concentrou cada vez mais a veia empreendedora, reduzindo a representatividade da atividade empreendedora como sustento das pessoas e famílias. A tecnologia, por sua acessibilidade e baixo custo, deveria reverter essa lógica. Mas o mecanismo de financiamento desses negócios é baseado em retornos exponenciais, o que demanda muito crescimento. Negócios que não prometem brigar pela dominância em um mercado de centenas de bilhões geralmente não recebem a devida atenção da indústria de VC. O resultado disso é que provavelmente milhares de bons negócios nunca saíram do papel ou ficaram pelo caminho a curta distância de serem sustentáveis. Parece ridículo dizer isso, mas negócios que faturam poucos milhões, geram bons empregos e principalmente resolvem o problema de alguém são também bons negócios e merecem o respeito de investidores.
Not every entrepreneur dreams of running a 100,000-person company and going public. Some think that “if they can take control, have a good life, build cool shit and make 5 [million] to 10 million a year,” they’re probably better off than founders who end up with small stakes in their own company after selling most of it to venture capitalists to raise cash.
#4 - The Total Amount of Interest Paid is Never Relevant to a Financial Decision - Capital Gains
No começo dos estudos sobre economia ou finanças aprendemos um dos conceitos mais básicos da disciplina: a taxa de juros. Os juros são o preço do dinheiro no tempo, que podemos tangibilizar como sendo o valor que você estaria disposto a receber daqui um ano para abrir mão de R$1.000 hoje. Se esse valor é R$1.100, sua taxa de juros é 10%. Os conselheiros de finanças pessoais fazem um bom trabalho de educar a população sobre os riscos de taxas de juros altas. Como sendo o custo do dinheiro o ideal é sempre buscarmos o menor custo quando precisamos tomar dinheiro emprestado. Mas muitas vezes misturado nessa história aparece o conselho de que é melhor não tomar dinheiro emprestado ou reduzir o prazo de um empréstimo baseado na lógica de reduzir o valor monetário a ser pago em juros. Por exemplo, um conselho que pode aparecer é o de que você deveria escolher um empréstimo de 1 ano e 10% de juros, onde você pagaria R$100, do que um empréstimo de 2 anos e 9% de juros, onde você pagaria R$188. Um caso óbvio é o financiamento imobiliário. No Brasil através de programas como o Minha Casa Minha Vida você pode tomar crédito a valores menores do que a taxa de juros básica vigente na economia. Alongar ao máximo o financiamento, pagando mais reais em juros, é racional e benéfico. Você não só tem uma vantagem em relação ao custo de oportunidade e pode direcionar mais recursos para investimentos ou outros usos como também evita uma concentração maior em um único ativo (o imóvel). Nesse exemplo, se você pode pagar uma parcela de R$1.000, mas pode alongar o financiamento mantendo a mesma taxa e pagar só R$800, vale a pena investir os R$200 em outros ativos, potencialmente ganhando mais do que o custo desse financiamento. Claro, achar um financiamento abaixo das taxas de mercado é difícil, mas em alguns casos possível. A questão da concentração quando olhamos para grandes investimentos, como aquisição de imóveis, também pode ser um fator relevante. Mas o valor monetário de juros pagos não.
For example, someone might illustrate the dangers of credit cards by pointing out that if you borrow 1,000 using a credit card with a 24% APR, and you make a minimum payment of 25 each month, it takes almost seven years to pay off the debt and you end up spending a total of 1,032 on interest. All of which is true, but the total sum paid on interest is not what makes this a bad deal, and it doesn't illustrate the tradeoff at work. The actual tradeoff is closer to: is it worth paying 27% interest to have this purchase sooner, or not? Save the same 25/month and you'll be able to afford that $1,000 purchase in a little over three years. The real question is whether the return on having that purchase earlier is about 27%. And that's a better question to ask, because it really does help you make intelligent decisions: plenty of pure consumption goods can be deferred in favor of cheaper temporary substitutes, but the ROI on getting your car fixed if losing it means losing your job is probably high enough to make that cost of capital worth it.
#5 - From Investment to Savings: When Finance Feeds on Itself - American Affairs Journal
Um tema comum por aqui é a transformação do mercado financeiro e de capitais, mais especificamente sobre como o papel dos bancos como credores vem diminuído no mundo todo em favor de fundos de crédito. Existem vários fatores que levam os bancos a serem menos competitivos. Mas também existem transformações que levaram às gestoras de crédito a se tornarem mais competitivas. Uma delas é a crescente demanda por ativos de crédito gerada pelas seguradoras, especialmente após 2008 quando tivemos um longo período de taxas de juros baixas, zeradas ou até negativas. As grandes casas de crédito inclusive passaram a comprar e operar suas próprias seguradoras, que funcionam como originadoras estáveis de funding para seus veículos. Semelhante ao modelo de Warren Buffet na Berkshire Hathaway, mas voltado para dívida ao invés de equity. Ou algo parecido. Ao receber o prêmio do seguro, especialmente o de vida, a seguradora tem uma dívida com o segurado. Dentro dos veículos de crédito estruturado essa dívida de longo prazo da seguradora é alocada na parcela mais equity-like, a obrigação júnior. Essa obrigação júnior permite que as demais camadas do veiculo sejam financiadas por outros tipos de investidores, como fundos de crédito, endownments e até bancos. Uma dívida é transformada em uma camada de equity que atraí dinheiro de fora para alavancar a estrutura. Isso pode ser um processo longo, adicionando alavancagem em cada etapa. Uma casa de crédito pode pegar $5 em prêmios e atrais mais $5 em dinheiro de investidores para constituir um veículo de equity de $10, que investirá em outro veículo com 20% de equity, efetivamente transformando os $5 de prêmio em uma estrutura de $50 para crédito. Essa dinâmica é uma mudança radical do uso de equity: ao invés da alocação de capital ser direcionada para projetos de risco que possibilitem investimentos e novas empresas a função passa a ser a de gerar crédito para rentabilizar a estrutura de capital das seguradoras. Como essas camadas juniores são apenas equity-like o que se observa na economia é uma queda relativa da participação de investimentos em equity, geralmente originários de poupança da população e formação de capital, em relação a participação de instrumentos de dívida. Dívidas são mecanismos de alavancagem que "tomam" retornos futuros e os trazem ao presente por um custo. A constante geração de dívida da suporte aos preços dos ativos de equity, mas não para sempre. No meio do caminho os sinais comuns de desempenho dos negócios utilizados para o mercado alocar capital em projetos de retornos maiores são atenuados, impactando o dinamismo da economia, sua capacidade de produzir e inovar.
A dystopian view might be a world where there are no savings-funded investments; rather, savers purchase insurance products like annuities. Those insurance products are fed by the debt created from savers’ levered consumption. While not inherently calamitous, this transformation carries risks for economic vitality. By favoring debt, collateral-based lending, and guaranteed returns, the system may direct less capital to productive equity investments. In this debt-centric paradigm, real economic growth plays a shrinking role in justifying ever-larger pools of investment capital. The upshot is a finance industry that thrives, not on discovering new opportunities for value creation, but on feeding its own self-perpetuating demand for yield—a modern-day ouroboros that may gradually erode the dynamism of the real economy.
#6 - A blog post is a very long and complex search query to find fascinating people and make them route interesting stuff to your inbox - Escaping Flatland
Achei dois conceitos interessantes nesse texto. O primeiro é sobre como a possibilidade de conexões infinitas da internet nos desconecta da vida real. Muito do que somos é resultado do meio e das pessoas com as quais convivemos. Nossos interesses, opiniões e atividades são muito influenciados pelo que nos é próximo. Mas a internet ao tornar tudo próximo nos distância do nosso contexto fora da internet, seja para o bem ou para o mal. É muito fácil no fluxo infinito de informações achar algo que te desperta o interesse e gera uma série de conexões onde você vai aprofundando e descobrindo mais. Esse algo pode ser um assunto amplamente conhecido ou relevante, mas pode ser algo completamente fora da sua realidade, o que pode te alienar das pessoas da sua convivência. O nível de aprofundamento, rabbit hole onde você se mete, também pode te distanciar dos interesses das pessoas próximas. Isso pode gerar isolamento e solidão. Não poder compartilhar seus interesses com ninguém é muito chato. Um jeito que a internet permite que você resolva isso é escrevendo para uma audiência também infinita. Pode ser na rede social ou em uma plataforma mais estruturada como o Substack, mas escrever sobre os assuntos específicos e nichados do seu interesse permite que as pessoas, mesmo que poucas, encontrem você. Claro que escrever ao além geralmente não vai gerar resultados, mas entender uma estratégia de distribuição eficaz, compartilhando em ambientes que contextualmente fazem sentido pode ajudar a atingir nós importantes da rede de distribuição de informações. Grandes nós geralmente recebem as informações de nós menores, e ao replicar a informação o fluxo desce novamente para os nós menores. Nesse sentido escrever de maneira genérica ou acessível não vai te trazer resultados. O tipo e estilo de escrita resumem uma parte relevante da sua identidade, e só assim outras pessoas podem de fato se identificar com o que está escrito e seu autor.
What leads you there is the fact that the particular complexity that catches your interest is highly idiosyncratic. People get interested in all sorts of things. I have heard, from credible sources, that there even exist people who are interested in the names of Brazilian soccer players! Having idiosyncratic interests that grow in complexity means that if you pursue them too far you will end up obsessed with things that no one else around you cares about.
Bom final de semana!